Canto para o meu futuro nascimento

- Aquela energia voltou. Acho que ela vai explodir o meu corpo todo de dentro para fora.

- Você quer dizer o coração, não?

- Não, realmente é o corpo. Não sei qual foi o gatilho. Percebi com um sorriso involuntário, as pernas a ficarem agitadas de uma forma não habitual. Foi uma pequena fagulha que me incendiou sem aparente causa. É uma energia que começa no estômago, vai tomando conta do diafragma, passa veloz para peito, pelos seios, onde se demora um pouco, chega as minhas costas, sobe feroz para o pescoço, toma conta de cabeça. Olhos, nariz, entra pela boca, desce de volta para o ventre, toma conta das minhas coxas, pernas e pés. Parece que ela não vai caber dentro do meu corpo.

- Não faz sentido nenhum o que está dizendo. Foca no agora.

- Sua fala simplesmente me deixa ainda mais inquieta. Essa não é uma energia nova, ela volta e meia está aqui. Não se deixa ser esquecida. É uma vontade de voar, de correr, de amar, de despedaçar cada parte de mim. De me rasgar para ganhar o tamanho real dela.

- Um pouco vulgar, não acha?

- Acho que você fala demais. Preciso nascer. Preciso conseguir assumir quem sou. Quero ter coragem para tomar conta de mim. Quero sentir cada lágrima, cada gozo sem vergonha. Quero ser dona de cada ato. Ser dona de cada canto escuro da minha alma. Dar voz a cada um dos meus queridos monstros. Beber com a vida cada um dos meus desejos. Preciso conseguir explodir.

- Cuidado que ao explodir pode perder partes de ti que não está preparada para não ter como bússola.

- Bússola ou âncora? Bússola ou muleta?

- Ainda me solto e aprendo a dançar comigo mesma. Assim que conseguir me despir de você

[Risos altos]

- Somente quando conseguir morrer de verdade conseguirá se despedir de mim, somente ai sua covardia e moralismo não ganharam vida para tomar o controle mais uma vez. Hoje, no máximo sabe brincar com o que eu permito.