Um Canto Amarelo

Cristina Abrantes
3 min readJun 27, 2021

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Nasci amarelo como os olhos de uma coruja cornucópia. Amarelo como os dragões chineses, cheios de vida e energia. Em um mundo cheio de cores, meu desejo era trazer alegria. Desejava tornar o nosso mundo um lugar mais aconchegante e menos duro. Me sentia honrada por nascer nessa família de cores. Entre perfumes e sabores amarelos.

Com o tempo descobri que você não me via assim. Meu amarelo te trazia irritação. Lembrava as antigas casas designadas aos que não se comportavam e viam o mundo da mesma forma que os demais, ou loucos como gostam de os chamar. Ganhei conotação de algo barato, feito de plástico, sem valor através dos seus olhos. Você me disse que eu era amarelo do ouro dos tolos.

Você me pediu para baixar o tom.

Você me pediu para que eu me tornasse cada vez mais silenciosa.

Você me demandou que eu não chamasse a atenção.

Você me castigou por não ter a cor que imaginava ser digna da realeza.

Você tentou me misturar com paletas mais sóbrias.

Quando nada disso foi o suficiente, você me demandou que eu me tornasse sem cor, invisível.

Afinal de contas, a ausência de cor, me faria irrepreensível. Você me convenceu que para ser digno me deveria descolorir.

Passei a me associar com o amarelo sem graça dos sorrisos sem vida (como o meu, sempre que alguém notava parte da minha paleta). Envergonhada. Um amarelo covarde passou a ser refletido do meu espelho. Como o arsênico, a minha imagem passou a me consumir, aos poucos, mas de dentro para fora. Me vi com raiva, sem sentido, como um inseto insosso.

Ao ver a minha cor se oxidar perante os meus olhos, percebia também que em ti um sorriso brilhante crescia.

Foi assim que percebi que jamais serei luz e energia a você. Que sou tristeza e irritação. Que te causo náuseas as vezes.

Mas o tempo, que é senhor da vida, me mostrou que estava tudo bem. Que eu poderia ser o amarelo que sonhava. Bastava deixar de me ver pelos seus olhos.

Hoje me afastei de ti.

Apesar de ainda ter os seus olhos sobre mim, aos poucos deixo de me ver como amarelo covarde e vou ganhando nuances de calor.

Aos poucos paro de ver como vergonha e desonra e passo a entender que o meu amarelo se assemelha ao ouro (para mim).

Descobri ainda que ter uma cor é apenas uma parte de mim. Tenho também sons, formas, textura e sabores (Talvez com o tempo descubra novas facetas).

Hoje vivo entre os meus.

Entre outras 6 cores, cheias de vida e com diferentes particularidades.

Por isso, somente podemos conviver distantes e separados.

Por vezes insistimos em aparecer, nos exibir, como um sinal de que apesar do seu desejo, sempre seremos um sinal de recomeço e felicidade.

Garanto, porém, que a sua paleta de cores sóbrias poderia se beneficiar um pouco das nossas cores, da nossa audácia em permanecer.

Nem todos os desvios de cores resultam em desperdícios ou significam erro de percurso. As vezes um desvio do caminho normativo de uma luz pode se transformar em uma incrível manifestação de cores.

Texto: Cris Abrantes Foto por Pawel Czerwinski

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