Um Canto Azul

Cristina Abrantes
3 min readMay 28, 2021

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Chico era um pássaro muito travesso.

Passava os seus dias pulando de galho em galho, voando e cantando lindas melodias.

Parecia que o mundo era um grande parque de diversões.

Não havia nada que pudesse tirar aquele pequeno sorriso do seu rosto.

Seus pais estavam sempre preocupados com as viagens de seu jovem filhote.

Afinal, apesar do lindo bosque, não muito longe dali, havia gaviões e o pior de todos os perigos: havia humanos, prontos para colocarem pássaros risonhos como Chico em suas gaiolas.

Nosso pequeno sonhador alado jamais ficava parado, sempre estava em busca de descobertas, novas músicas, sabores e danças. Às vezes aprendia com os pintassilgos a sua cantiga doce, em outros dias passava horas aprendendo as melodias dos melros.

Seu melhor amigo, Caju, um Robin, além de sua doce voz, viajava para Além Bosque todos os invernos com sua família. Quando regressava, trazia sempre novas histórias de aventura, que brilhavam os olhos do nosso curioso amigo, que sonhava em acompanhar Caju em uma de suas viagens. Entretanto, seus pais diziam que suas asas não eram feitas para essas aventuras. Que deveria buscar formas diferentes de sonhar.

Em uma tarde de domingo, Chico percebeu um canto diferente. Ficou inquieto e passou a buscar esse canto. Quem era esse novo morador? De onde ele teria vindo? Seria perigoso ir atrás daquela música? Mas nosso aventureiro estava inebriado por aquela doce voz.

Saiu pelo bosque voando o mais rápido que podia. Bateu em alguns galhos de tão ansioso, perdendo algumas penas no caminho.

Encontrou-a. Como ela era linda! Suas plumas eram azuis brilhantes.

Não pareciam nada com as cores que já conhecia. Ele ficou de longe escutando-a cantar. Não tinha coragem de chegar perto. Foi assim que o nosso pequeno herói ganhou uma nova rotina: todos os dias, ao entardecer, ele voava até o galho mais próximo; sem ser visto, ficava escutando a sua melodia favorita. A cada noite voltava para casa um pouco mais Chico.

Em uma tarde verde, sua amiga Azul não estava cantando como de costume. Ela gritava desesperada como alguém que chamava por seus filhotes perdidos. Chico ficou tão ansioso que começou a pular violentamente, balançado o galho de sua árvore. Sua aflição foi tamanha que chamou a atenção de nossa nova amiga.

— Desculpe — disse ela.

— Tive um pesadelo horrível! Sonhei que estava de volta a minha antiga gaiola.

— Gaiola? — interpelou ele. Não sabia o que era aquilo. — Onde ficava a sua gaiola? Em outro bosque?

— Não há gaiolas em bosques. Que pensamento terrível! Elas ficam nas casas dos humanos. Elas não nos deixam voar. Da minha, eu conseguia até ver o bosque e cantava a esperança de um dia voltar. Meu dono era um senhor muito bom, mas ele não entendia que aquilo estava me matando. Com os anos fui deixando de cantar, simplesmente não conseguia mais. Fui ficando tão triste que meu dono resolveu me soltar. Afinal, de que vale um pássaro que não canta? Ele disse que eu não trazia mais alegria para a casa.

Chico ficou apavorado ao ouvir essa história. Não poder voar? Não conseguir cantar?

Não poder conhecer novas terras? Meu Deus! A história de Azul o deixou tão assustado que ele passou dias sem sair de seu ninho. Escondia-se a cada novo barulho. Vivia com medo de voar.

— E se um humano me captura? Não aprenderei mais uma nova canção. Não escutarei mais nenhuma aventura de Caju.

Sem perceber, o nosso pequeno amigo ficou preso em sua própria gaiola. Sem perceber, ele perdeu a chance de não deixar sua linda amiga se sentir só novamente. Ele chorava aos seus pais que um dia iria voar, mas não agora. Não podia correr o risco de perder sua liberdade. Que por ora estava apenas seguro. Que aquilo era uma escolha sensata.

Pobre Chico.

Os anos passaram e a sua segurança o fez perder tantas novas aventuras… Sua amiga Azul foi embora para uma nova floresta em busca de novos cantos. Caju ganhou novos amigos e voou para um outro bosque. Quanto a Chico, bem, ele percebeu que o seu medo de perder a sua liberdade foi a sua verdadeira prisão.

Pena que perdeu tanto até aprender que não é possível viver de forma segura. Que viver é uma dor e um amor. Mas ele percebeu. Hoje ele vive em busca de novos encantamentos, mas sofre de saudades de sua Azul.

Texto: Cris Abrantes

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