Um Canto com Tons de Cinza

Cristina Abrantes
3 min readMay 28, 2021

Havia algum tempo que eu já andava por aquelas ruínas. Elas eram belíssimas para mim. Algo me atraía de volta a elas todos os dias. Podia sentir que durante seus tempos de glória, muitos amores, paixões, danças e risadas encheram os seus salões, lugares que hoje são apenas lúgubres aos olhos despercebidos. Ao passar minhas mãos por suas paredes podia sentir a eletricidade que um dia foi a alma daquele lugar [hoje frio e esquecido]. Aos meus olhos parecia que algumas paredes se esforçavam para manter sua dignidade e orgulho, em pequenos detalhes, em cores que ainda permaneciam quase que intactas se comparadas com o restante do lugar.

Um salão em especial me fazia me despir de todo o meu ego. Ele me chamava e me transportava para um outro Eu. Um que estava mais próximo de cruzar a ponte para o meu Além Homem. Um que havia conseguido deixar todas as verdades absolutas de lado. Ali me permitia deixar de transportar todos os sinais externos. Naquele salão eu existia.

Em um desses dias que a alma clama por mais vida, voltei as ruínas e me dirigi direto para o meu salão. Foi surpreendida por uma imagem magnífica.

Era a mulher mais bela que já cruzará o meu caminho, em vida e em sonho.

Era tão forte e vivo aquela imagem, que senti calor ao entrar naquele espaço. Seus olhos eram negros e profundos, pareciam que estavam a enxergar a deus. Seu vestido vermelho era tão fluído, parecia voar em torno do seu corpo.

Ela dançava uma música que somente após me despir do meu falso despertar pude ouvir. A música então percorreu todos os salões e espaços do lugar, preencheu, como raio de luz que assalta a escuridão. Seus passos eram belos e certos. A sua precisão e fluidez me hipnotizavam. Como se seu corpo dançasse o impossível, o intangível.

No meio deste sonho concreto e vermelho, um corpo vazio e faminto surgiu de dentro do seu peito. Dele saíam mãos que tentavam a sufocar, a dominar. Clarões e barulhos como trovões tomaram conta de todo o local. Os seus movimentos se tornaram bruscos e pareciam serem marcados por tambores de guerra. Uma mancha de escuridão teimava em aparecer no seu rosto, como se algo tentasse dominar o seu ser, mas ela continuava a dançar. Como se quisesse a todo custo garantir o seu desejo.

Em um estalar de dedos todo o salão se encheu de seres que não sei descrever, que pareciam ter entrado em guerra.

Tudo se tornou uma mistura de luz e escuridão. Todos eles dançavam como uma única carne, se misturando de forma tão completa que senti meu corpo estremecer ao presenciar aquela estranha fusão.

Mas então, assim como em passe de mágica

Tudo se tornou silêncio.

Uma luz ofuscou meus olhos e levou consigo todos os seres que ali dançavam e guerreavam. Obviamente que tentei os seguir, o que foi um ato em vão, quase infantil.

Como mágica inversa voltei a ver minhas amadas ruínas e seus tijolos cinzas.

Texto: Cristina Abrantes | Foto: Mayara Franco @mayarafranco

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